quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Volta Redonda, dois velhos hotéis, mil curiosidades

Volta Redonda, dois velhos hotéis,
mil curiosidades

Que tal a cidade batizar uma avenida, rua, praça, prédio ou monumento, com o nome do engenheiro  Renato Azevedo, uma personalidade que honra a história do Brasil, de Volta Redonda e da CSN?
Por Alfredo Herkenhoff *


 Três velhas fotos do Hotel Bela Vista (anos 40 e 50)  e logo abaxo um flagrante do início dos anos 50 do Hotel Brasil, que na sua fase de planejamento, chegou a ser chamado de Hotel Comercial e Hotel Volta Redonda. Hoje o prédio do HOtel Brasil é a sede da CBS, o fundo de pensão da CSN, e abriga também uma filial das Lojas Americanas no térreo

 
 Ao longo de 2009 e início de 2010, colaborei editorialmente com o colega jornalista Nilo Dante, autor do livro capa-dura intitulado CBS - 50 Anos Construindo o Futuro, uma obra do fundo de pensão da CSN que, diversamente do costume de edições comemorativas, passa ao largo daqueles tradicionais conjuntos de dados maçantes, relatórios que ninguém quer ler. Bem ao contrário, o livro com que a CBS Previdência comemora seu meio século de existência mostra não apenas a trajetória vitoriosa do fundo dos trabalhadores da Siderúrgica e seus dependentes, mas também exibe as mudanças vertiginosas da história de 1960 para cá, com o fim da Guerra Fria, inauguração de Brasília, ditadura, democracia, avanços nas ciências e o advento da era digital. Enfim, um livro saboroso, bom de ler e guardar. Parabéns à CBS pelo aniversário e pela iniciativa, que realça a pujança da cidade de Volta Redonda..
  Mas, ao longo dessa colaboração, visitei o Vale da Paraíba meia dúzia de vezes e muitas observações não puderam ser aproveitadas no livro por falta de espaço. A seguir, sem maiores rigores, apenas a partir de entrevistas e depois de folhear velhos documentos e fotos, uma pequena digressão sobre uma parte antiga da Cidade do Aço, uma digressão de toponímia urbana, nomes em Volta Redonda...
 O Hotel Bela Vista foi uma das primeiras construções de Volta Redonda. Começou a sair do papel ainda em 1941, na antiga Fazenda Santa Cecília, local escolhido para receber a Companhia Siderúrgica Nacional. Com 60 quartos com 60 banheiros, o Bela Vista foi construído no alto do morro com o mesmo nome e recebia os engenheiros americanos e funcionários mais destacados entre os que vinham supervisionar a construção da CSN e as operações da usina a partir da sua inauguração do primeiro alto-forno em 1946. Estas informações foram obtidas num papo com o engenheiro Renato Azevedo, que começou a trabalhar para a CSN em 1941, nos Estados Unidos, e, desde novembro de 1943, já estava dentro do canteiro de obras da Siderúrgica.
 Quase 70 anos depois, o Bela Vista mantém seu charme de casarão arejado, no meio de elegante área verde diante da cidade. No térreo do velho hotel funciona um concorrido restaurante, com pé-direito alto e belos lustres. Um lugar de destaque entre os mais aprazíveis da cidade.
 O outro hotel mais antigo situava-se diante da Praça Brasil, no centro novo de Volta Redonda, e tem uma história curiosa: quando foi projetado, a construção tendo começado nos anos 40, era chamado de nomes que não vingaram na memória da maioria da população. Mas, ao ser indagado sobre este edifício, que hoje, em vez de hotel, é a sede da CBS, o engenheiro Renato Azevedo comentou aqueles tempos pioneiros: “Ah! Sim! Era o Hotel Comercial, aquele prédio onde funciona a Lojas Americanas”. O nome vingou na memória do velho engenheiro.
 De fato, na construção do edifício, conforme consta no relatório do engenheiro-chefe Ary Torres sobre as obras de 1941 e 1942, o projeto citava a construção como ora Hotel Comercial, ora Hotel Volta Redonda.
 Mas, salvo falha de pesquisa iconográfica, a imagem mais antiga do edifício projetado com 80 quartos, e noutros relatórios como hotel de 100 quartos, mostra o nome Hotel Brasil. Nas mais velhas fotos, vê-se o edifício com este letreiro “Hotel Brasil” e, à frente dele, há veículos típicos da época da Segunda Guerra Mundial.
 E de curiosidade em curiosidade, vale lembrar que foi neste prédio, em 17 de julho de 1960, que nasceu a CBS Previdência. O presidente Getúlio Vargas visitou o edifício. Existe um porão neste prédio onde funcionava um cineminha. Mas é voz corrente entre os mais informados que o pequeno espaço subterrâneo se tratava de fato de um bunker.
 Para quem julgar apressadamente que era implausível imaginar que a Segunda Guerra Mundial chegasse ao Brasil, não custa lembrar que, nas considerações sobre a escolha do lugar onde seria erguida a grande siderúrgica, havia, além das questões como facilidade de transporte de insumos e de produtos de aço, presença de água abundante, proximidade com mercados consumidores e outros quesitos, também um item de segurança. Afinal, em 1940, 41 e 42, ninguém tinha certeza de como terminaria a Segunda Guerra Mundial, àquela altura se ampliando.
 O próprio Edmundo de Macedo Soares e Silva, o principal artífice, junto com Getúlio Vargas, da construção da CSN, escreveu naquele período conturbado que o lugar era protegido pela Serra do Mar e que isso era mais um dado positivo para impedir um eventual ataque militar contra as instalações da usina.
 Existe também no Hotel Bela Vista um lugar hoje destinado a uma bela adega. Mas bem sabem os principais engenheiros pioneiros americanos, todos já mortos, que a cave foi feita com paredes desenhadas para proteger mais vidas humanas preciosas, numa hipotética situação de bombardeio, do que proteger preciosas garrafas de vinho.
 A região onde está a sede da CBS, no histórico prédio entre os mais famosos logradouros da cidade, até hoje costuma ser chamada de Vila Santa Cecília, ou simplesmente, de Vila, que na língua pátria costuma designar a primeira aglomeração a resultar no nascimento de uma cidade.
 Ainda sobre essa evolução das designações, observe-se que, no sentido de lugar original, de espaço que antes pertencia a Barra Mansa, como seu oitavo distrito, com o nome do rio que faz a grande curva, o Paraíba que a cada dia nunca mais é o mesmo, nunca mais a mesma água que flui, embora pareça ser a mesma, o nome “Volta Redonda”, para alguns, também serve como maneira mais intima de se referir ao Centro Histórico da cidade, como se Volta Redonda fosse também o nome do Centro de Volta Redonda.
 Essa pequena digressão sobre alguns nomes da cidade é ainda mais curiosa porque Volta Redonda, por boa influência do melhor urbanismo norte-americano, batizou centenas de ruas por simples números: Rua 12, Rua 33, Rua 214, Rua 629 etc. Ou seja, afora exceções de nomes a merecer honrarias em placas de Avenida, ou edifícios especiais, a cidade de Volta Redonda, ao nascer moderna, fruto da vontade humana de planejar, evitou o excesso de “puxa-saquismo” e homenagens imerecidas, tão comuns em tantas cidades brasileiras.
 Não é difícil imaginar que Volta Redonda, em algum momento de seu futuro, vá desenhar um espaço ou monumento para batizá-lo com o nome de Renato Azevedo. Este engenheiro do Alto Forno nº 1, engenheiro que presidiu a CBS Previdência, este amigo da matemática, amigo da racionalidade, haverá de perdoar os que assim decidirem afrontar a tradição de ruas numeradas para se render ao fato de que a homenagem é justa a um pioneiro de excepcional importância.
 Lembra o engenheiro Renato Azevedo, do alto de seus quase 100 anos de idade, que bem nesse Centro Histórico da cidade ficava a antiga Rodoviária, entre nomes hoje quase perdidos, mas que se perpetuam numa viagem combinando saudades e esforços da memória.
  Eu com os meus bigodes ao lado do colega Nilo Dante na sede da CBS, entrevista com a família Mello, três gerações no fundo de pensão e na CSN: o velho Luiz Gonzaga de Mello, o filho Francisco Luiz da Silva Mello e o filho deste, Igor Cardoso Mello. E logo abaixo, eu e Nilo no meio entre o agora saudoso Paulo Miranda, radialista esportivo e ex-diretor da CBS, em sua casa no Jardim Esperança, e Wlader Lúcio Lima (à direita), gerente de Relacionamento do fundo de pensão e também uma personalidade de destaque na defesa dos interesses dos trabalhadores de Volta Redonda. Foi um agradabilíssimo bate-papo em dezembro de 2009. (Fotos do colega Antônio Calino).


 (* ) Alfredo Herkenhoff, jornalista que acaba de lançar no Rio de Janeiro o livro “Jornal do Brasil – Memórias de um secretário – Pautas e Fontes”, abordando a decisão do velho diário de dar adeus às bancas, em  setembro passado. O JB agora se limita a edições digitais na internet.